A ciência moderna nos proporcionou inovações que mudaram radicalmente a vida como a conhecemos. Ela nos trouxe recursos que, no passado, seriam vistos como magia ou milagres: avanços médicos salvaram vidas, a tecnologia encurtou distâncias, e nosso acesso à informação nunca foi tão amplo. A própria plataforma que uso para escrever este texto é um dos muitos produtos desse progresso científico. Mas a que preço? Se por um lado a ciência nos trouxe benefícios, em alguns momentos, seu progresso veio com um custo humano alarmante, deixando um rastro de abusos e crimes muitas vezes encobertos por políticas corporativas, corporações poderosas e apoio institucional. Quem pagou ou paga a conta desse progresso?Nos tempos atuais, a ciência alcançou um status quase sagrado. Hoje, muitos a exaltam como o bastião da verdade, ao ponto de alguns a idolatrarem como uma espécie de “messias” que libertou o mundo civilizado das trevas e do obscurantismo religioso. E a bem da verdade, sim, as religiões também tem em seu quadro histórico páginas manchadas a sangue.No entanto, o status exaltado da ciência frequentemente encobre uma face obscura. Um exame mais crítico e aprofundado revela um lado sombrio e pouco divulgado com atos antiéticos e macabros que raramente vêm à tona, mas que colocaram vidas em risco em nome do progresso e do lucro. É essencial questionar essa confiança cega, examinando o potencial da ciência para o bem e para o mal.Nas linhas abaixo, exploro alguns dos crimes da ciência - eventos marcados por abusos que contaram com o apoio de setores científicos, políticos e a imprensa de suas épocas. Essas histórias revelam como a confiança cega na ciência e em seus agentes pode causar danos profundos, e por que é essencial manter vigilância ética constante e um ceticismo saudável quanto à promessa de que a ciência, sozinha, seja a “salvação” da humanidade.1. Crimes da Indústria FarmacêuticaBayer e os Experimentos em AuschwitzNo século XX, sob o rótulo de “experimentos científicos”, algumas das atrocidades mais cruéis foram cometidas. E embora alguns desses experimentos tenham gerado avanços, eles foram alcançados às custas de vidas e de sofrimento humano. A farmacêutica Bayer, por exemplo, participou de experimentos em Auschwitz durante a Segunda Guerra Mundial, utilizando prisioneiros como cobaias para testar medicamentos. Muitos desses testes resultaram em mortes, mas a empresa continuou a lucrar. O consentimento era inexistente, e a vida humana era subjugada em nome da ciência e do lucro. No mesmo período, nos Estados Unidos — considerado o “símbolo máximo da liberdade e da democracia” —, prisioneiros foram usados como cobaias até 1970 em testes de medicamentos sem qualquer proteção ética.Richardson-Merrell e a TalidomidaUm outro caso marcante envolveu a farmacêutica americana Richardson-Merrell que tentou liberar a talidomida nos Estados Unidos em 1960, mesmo ciente de que o medicamento causava malformações congênitas. A farmacêutica conduziu um teste clínico sem controle em 1.200 profissionais de saúde, monitorado apenas pelo departamento de marketing da companhia e um dos artigos científicos que “confirmava” a segurança do medicamento foi redigido pelo diretor médico da empresa e publicado no Journal of Obstetrics and Gynecology com a assinatura de um dos médicos participantes do teste, que confessou não ter participado da supervisão.Esse medicamento afetou mais de 10 mil crianças em 46 países, das quais apenas metade sobreviveu. O escândalo levou à criação da FDA (agência reguladora de fármacos e alimentos), nos EUA. Mas o dano já estava feito: milhares de crianças pagaram com a própria vida.Eli Lilly e os Experimentos com MendigosEm 1996, outra farmacêutica, a Eli Lilly, foi denunciada pelo Wall Street Journal, por pagar mendigos alcoólatras para servirem como cobaias em testes. Questionada, a empresa afirmou que os “voluntários” eram movidos pelo altruísmo, querendo “ajudar a sociedade”. Após a repercussão negativa, a indústria farmacêutica passou a realizar testes em países emergentes, onde a regulamentação era menos rígida como América Latina e África, explorando a vulnerabilidade de populações menos protegidas por leis rigorosas.Pfizer e Testes Não Consentidos na ÁfricaEntre 1995 e 2006, o número de testes clínicos crescia rapidamente em países emergentes como Rússia, índia, Argentina, China e Brasil. Em um desses testes, conduzidos pela Pfizer na África em 1996, 200 crianças foram submetidas a medicamentos experimentais sem o consentimento formal dos pais, que foram levados a acreditar que se tratava de uma “ajuda humanitária”. O caso resultou em mortes e sequelas graves nas crianças, e terminou em um acordo judicial de U$$ 75 milhões - mas tudo, claro, “em nome da ciência”. Este episódio levantou questões éticas profundas sobre o uso de ...