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O Tal Podcast

O Tal Podcast

Auteur(s): Paula Cardoso e Georgina Angélica
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À propos de cet audio

Um espaço onde cabem todas as vidas, emocionalmente ligadas por experiências de provação e histórias de humanização. Para percorrer sem guião, com autoria de Georgina Angélica e Paula Cardoso.

2025 Big Lisbon
Relations Sciences sociales
Épisodes
  • Carlos Andrade: “Preciso de fazer coisas em crioulo. Sinto que tenho uma responsabilidade com Cabo Verde, porque não há muitas pessoas a fazer conteúdos em crioulo”
    Dec 25 2025

    Popularizado nas redes sociais, pela criação de conteúdos humorísticos em crioulo cabo-verdiano, Carlos Andrade, ou simplesmente ‘Artolash’, estende cada vez mais a sua influência digital aos palcos. Autor do espetáculo “Berdianos ka Konxi Limiti” (“Cabo-verdianos não conhecem limites”) – com o qual esgotou, no último sábado, 20, o Auditório Nacional da cidade da Praia, em Cabo Verde –, o humorista é o convidado desta semana de Georgina Angélica e Paula Cardoso.

    Quando olha para a chegada a Portugal, aos 16 anos, Carlos Andrade vê com nitidez não apenas o que encontrou, mas sobretudo o que ficou para trás. “Se permanecesse em Cabo Verde, acho que o meu futuro teria sido muito diferente”, diz, enquanto revisita impulsos adolescentes.

    “Comecei a fazer umas coisas um bocadinho manhosas, a dar-me com pessoas que não devia. Uma delas está presa, outra morreu”, conta neste episódio d’ ‘O Tal Podcast’, sem esquecer um encontro providencial com um polícia à paisana.

    “Apontou-me uma arma, encostou-me à parede, revistou-me e disse: ‘O que estás a fazer? Volta para casa!”.

    Carlos obedeceu e, embora não acredite em planos divinos, ficou com a sensação de que talvez a mãe já pressentisse o pior. “Percebeu que se não me tirasse de Cabo Verde, provavelmente alguma coisa de mal poderia acontecer”.

    Como quem dá à luz a várias vidas do filho, Inês Andrade, mãe do humorista, está no centro de todas as grandes mudanças da sua história, percorridas nesta conversa com Georgina Angélica e Paula Cardoso.

    Para começar, foi a mãe quem tratou de tudo para que, ainda no secundário, viesse estudar para Portugal. Depois, encorajou-o a nunca desistir dos estudos, via de acesso à SIC, onde a produção e gestão de conteúdos o transportou para vários momentos inimagináveis.

    “Nunca pensei falar pessoalmente com a [atriz] Juliana Paes, e ela já bebeu grogue comigo, porque quando fui para os Emmy levei uma garrafa, e fiz um conteúdo incrível com o pessoal”.

    O momento viveu-se em 2019, em Lisboa, na Gala Semifinal dos International Emmy Awards, numa altura em que a sua mãe já se tinha transformado numa espécie de talismã artístico.

    “Representei-a muito em vídeos e sketches que me catapultaram no mercado cabo-verdiano, para ser mais conhecido e fazer mais shows”.

    Com a recriação, em personagem, da figura da mãe cabo-verdiana, inspirada na sua própria progenitora – a que se juntam outras criações icónicas, como Djubensu –, ‘Artolash’ foi firmando assinatura humorística nas redes sociais, sempre em crioulo, presença hoje popularizada muito além do digital.

    Depois de várias apresentações para a diáspora cabo-verdiana nos EUA e em países europeus, o comediante esgotou, no último sábado, 20, o Auditório Nacional da cidade da Praia, em Cabo Verde, com o espetáculo “Berdianos ka Konxi Limiti”. Em português, “Cabo-verdianos não conhecem limites”.

    A proposta estreou-se este ano em Lisboa, confirmando que, também por cá, há público para a comédia em crioulo.

    “Sinto que tenho uma responsabilidade com Cabo Verde, porque não há muitas pessoas a fazer conteúdos em crioulo”, nota o humorista, nesta conversa com Georgina Angélica e Paula Cardoso.

    Mas, muito mais do que subir ao palco disposto a arrancar gargalhadas de audiências, o humorista – e assumido viciado em fazer rir os outros – orgulha-se de contribuir para a emergência de uma nova geração de comediantes.

    “Vários humoristas cabo-verdianos agradecem-me porque tive influência no começo da sua carreira. Hoje estão a trabalhar, e conseguem fazer dinheiro online, com humor e publicidade. Isso deixa-me contente”, revela Carlos Andrade neste episódio d’ ‘O Tal Podcast’, que pode ouvir aqui.

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    58 min
  • Mariana Gil (Parte 2): “Não represento ninguém. Apresento-me, e isso pode servir de representatividade, que são coisas diferentes”
    Dec 18 2025

    Maria e Mariana Gil, mãe e filha, são as convidadas deste episódio de ‘O Tal Podcast’, para ouvir em duas partes. No final da primeira metade da conversa, que pode escutar aqui, estávamos prestes a conhecer uma das histórias que marcam um contínuo de embates étnico-raciais vividos pela família na escola, ponto de partida para a segunda parte deste episódio, conduzido por Georgina Angélica e Paula Cardoso.

    "Os gémeos estavam na pré-escola e pediram-nos: tragam algo para a festa de Natal, que tenha a ver com o lugar de onde vêm. Eu disse: nós moramos aqui ao lado, nascemos aqui", conta a mãe de António, Salvador, Vicente e Mariana, lembrando que, nessa como noutras ocasiões, fez questão de sublinhar que a sua família não se limita a estar aqui, porque ela é daqui.

    Como se não bastasse ser relegada à condição de estrangeira no próprio país, Maria ainda teve de suportar a ostracização da sua herança cultural, ao propor levar um doce cigano, típico de Natal.

    “Alguém da escola diz: não faça isso aos seus filhos. Já viu que são tão giros, tão loirinhos. Assim, toda a gente fica a saber que são ciganos".

    A circunstância de ter de se “moldar a uma clandestinidade, para ter acesso ao que é legítimo”, conforme referiu na primeira parte desta conversa, não a protege, contudo, do anticiganismo nem do racismo, algo que refere na segunda metade deste episódio de ‘O Tal Podcast’.

    “O nosso lazer é uma afrontação para o geral, é criminalizado. Eu, enquanto corpo cigano, ou corpo racializado, sentada numa esplanada, não estou a fazer mais nada a não ser viver à custa dos outros”.

    Entre a hipervisibilização que condena, e a invisibilização que exclui, Mariana matura o olhar: “A resistência foi-me imposta. Eu nasci para existir e obrigaram-me a resistir”.

    Na sequência do que tinha referido na primeira parte deste episódio, quando mencionou que o ativismo se tornou incontornável na sua história, a estudante de Ciências da Comunicação partilha a importância de trazer leveza a esse quotidiano de combatividade.

    “Falei sobre apropriação cultural na televisão, e agora só estou nesse lugar de militância, de luta, e tudo o que me desvie disso é frivolidade ou futilidade”, assinala, recordando a passagem pelo concurso Cabelo Pantene.

    “Tinha plena consciência de que também era o meu espaço”, recorda, enquanto insiste na força do amor-próprio. “No infantário diziam: és feia, e eu: ok, fica com a tua opinião. Nem toda a gente cresce com essa autoestima”.

    Apesar de reconhecer o efeito da representatividade nessa equação, a jovem faz questão de se libertar de narrativas de excecionalidade. “Gosto quando as pessoas se inspiram naquilo que digo. Não gosto quando dizem: Mariana, tu vais salvar-nos, porque não posso salvar ninguém sem também ser salva”.

    Determinada a encontrar o seu caminho de leveza e de descanso, onde inclui expetativas de uma vida política e financeiramente estável, a estudante é perentória: “Não represento ninguém. Apresento-me, e isso pode servir de representatividade, que são coisas diferentes”.

    Os planos da filha cruzam-se com os desejos da mãe. “Uma das grandes aspirações que tenho para a Mariana é ela poder acordar sem ter de se preocupar: ‘Será que vou vestir já a capa de ‘super guerreira, super heroína’? Simplesmente o poder da escolha”.

    Por agora, a estudante lembra que o direito de escolher continua longe de ser universal. “Quando não se vem de uma classe endinheirada, temos de pensar: vou para a faculdade, isso significa adiar talvez três anos de trabalho, mas se escolher bem o curso, será que me dá dinheiro logo?”.

    Ouça aqui a conversa com Georgina Angélica e Paula Cardoso.

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    49 min
  • Maria Gil (Parte 1): “É muito cansativo educar os nossos filhos para uma militância permanente. Educá-los sobre um estado constante de vigilância é de uma violência enorme”
    Dec 12 2025

    Mãe e filha, Maria e Mariana Gil são as convidadas deste episódio de O Tal Podcast, para ouvir em duas partes. Nesta primeira metade da conversa, Georgina Angélica e Paula Cardoso percorrem os afetos familiares, indissociáveis de uma herança coletiva de desafetos.

    “Há um projeto secular do anticiganismo, bem impresso na história em Portugal. Tanto que os nossos filhos, quando estão na escola, têm que se editar. Têm que entrar deixando a sua identidade para trás, porque não há nada nos livros escolares que diga: vocês existem”.

    O diagnóstico, aponta Maria, agrava-se num emaranhado de preconceitos que forçam destinos de luta e resiliência.

    “É muito cansativo educar os nossos filhos para uma militância permanente. Educá-los sobre um estado constante de vigilância é de uma violência enorme”.

    Antes do nascimento de Mariana, há 20 anos, Maria já educava António, Salvador e Vicente, experiência que a obrigou a calibrar perspetivas, e a reconhecer na escola um lugar de confrontos.

    A experiência é partilhada pela filha única, perentória na autodescrição: “Atualmente, a minha simples apresentação torna-se um ato de resistência: sou Mariana, cigana, afrodescendente e estudante do Ensino Superior em Portugal”.

    Desde cedo confrontada com o peso das características que marcam a sua identidade, a mais nova dos Gil recorda quão “perverso” pode ser o sistema de ensino.

    “No nono ano, antes do Covid-19, tinha um colega racista, que fazia afirmações extremamente perigosas. Tive a infelicidade de, no calor de uma discussão, em que ele se dirigia a mim com extrema violência, o chamar de nazi”, conta, sem perder de vista o desfecho. “No final do período, tive um valor retirado da nota e o aluno racista não teve nenhuma repreensão. Nem tentaram perceber a motivação daquela minha palavra”.

    Antes desse embate, a hoje estudante de Ciências da Comunicação recorda o primeiro confronto com os enviesamentos curriculares.

    “Fui a primeira pessoa a aprender a ler na minha turma, e a primeira vez que abri um dicionário, das primeiras palavras que fui procurar foi cigano. O que lá encontrei não foi nada bom”.

    A consciência da discriminação e da exclusão não demoraram a forjar um forte compromisso ativista, extensivo ao universo da moda, que navega criticamente.

    “Porquê é que numa menina branca um coque bastante liso e umas argolas douradas é clean e chic, mas numa menina cigana, negra, indiana já é um estilo marginal? Comecei-me a questionar”, adianta Mariana, criadora da “Statement Magazine”, projeto académico que define como “disruptivo”.

    O engenho criativo e a assinatura política, reconhecida pelos pares, evidencia-se em casa desde a infância.

    “A Mariana tem uma capacidade imensa, de me obrigar a reorganizar enquanto pensamento. Ela consegue fazer essa reorganização não para mim, não por mim, mas comigo. Isso tem sido incrível, porque tem-me trazido outros pontos de consciência”.

    Ao reconhecimento materno, a estudante universitária responde com reconhecimento filial. “Eu e a minha mãe estivemos ligadas durante nove meses por um cordão umbilical, e depois a ligação manteve-se via Bluetooth. Somos dois dispositivos que não funcionam um sem o outro”.

    Os firmes laços familiares expressam-se também numa campanha fraterna no mínimo original: “Os meus irmãos têm um autocolante no telemóvel a dizer: Marianinha for President [Marianinha para Presidente]”.

    Ouço aqui a primeira parte deste episódio, que continua na próxima semana.

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    48 min
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